Olhe para o vaso quebrado como
se ele já estivesse inteiro (de novo)
Entre Joana e Agamenon havia uma relação complicada. Agamenon era um homem dedicado, zeloso, com grande capacidade de doação, mas muito controlador. Desejava, de verdade, que todos fossem muito felizes, mas – com uma visão estreita da realidade – acreditava conhecer qual era o caminho, o único caminho, para a felicidade. Quando via uma pessoa indo em outra direção, lamentava, e orava, pedindo a Deus para que ela enxergasse a verdade. Mas quando essa pessoa era Joana, tudo ficava mais difícil, principalmente quando o que estava em jogo era a educação da filha do casal: Larissa.
Para Agamenon, Joana era muito permissiva, fazendo a maioria dos gostos de Larissa, e não a ensinava o caminho em que ela deveria andar. Joana reconheceu ter cometido muitos erros em sua forma de educar Larissa, e disse a Agamenon que, se fosse possível voltar no tempo, agiria, em muitos aspectos, de forma bem diferente. E disse isso com muita sinceridade. Mas não concordava com o que Agamenon entendia ser a melhor educação para a filha. E se ressentia, porque Agamenon recorrentemente a culpava pelas rebeldias de Larissa, que não eram poucas. Houve um momento em que Agamenon, tendo ouvido a queixa de Joana de que não aguentava mais ser culpada pelo comportamento de Larissa, disse, convicto: “eu tenho culpa se a culpa é sua? ” Foi devastador.
Tendo mais maturidade que Agamenon, em certo momento Joana entendeu que não era vítima dele, e que, se estava passando por aquilo, era porque de alguma forma eles três tinham construído tal situação para si, e estavam ali para crescer com ela. Reconheceu também que, em vários aspectos, Agamenon era mais desenvolvido que ela, como em sua real capacidade de doação – apesar de geralmente querer as coisas a seu modo. Não havia uma vez que se precisasse de Agamenon que ele não se dispusesse a ajudar, enquanto Joana era muitas vezes omissa. Mesmo assim, Joana vez por outra se projetava no futuro, imaginando um tempo em que Agamenon, reconhecendo tê-la julgado mal, se lamentava muito. E ela extraía prazer negativo de tal situação.
Mas houve uma vez em que a experiência foi bem diferente. Caindo em sono profundo, Joana se viu diante de Agamenon. Ele estava imensamente arrependido, e pediu desculpas a ela do fundo do coração. Contrariando suas próprias expectativas, Joana não extraiu prazer daquilo; sentiu, na verdade, profunda compaixão. Olhou bem dentro dos olhos de Agamenon e disse, com um misto de força e suavidade: “está tudo bem; está tudo bem”. O tipo de comunicação que houve entre eles, naquele momento, vai muito além do que palavras podem descrever.
Ao acordar, Joana compreendeu: estava tudo bem, naquele momento; não seria necessário esperar por um futuro, talvez distante, em que Agamenon se mostrasse arrependido. Se Joana iria perdoá-lo naquele futuro, poderia perdoá-lo já – e assim o fez. Joana reconheceu que ela mesma carecia de seu próprio perdão, pelos muitos erros que cometera com Agamenon – erros que costumava esconder em um canto da memória. E foi assim que tirou de seu coração uma mancha, e de seus ombros um fardo.
É verdade que a mágoa voltou algumas vezes, e Joana percebeu que não se muda completamente um estado emocional de forma instantânea, mas a mágoa voltava com intensidade cada vez menor. Joana estava, pouco a pouco, libertando Agamenon de toda culpa – liberdade que desejara para si mesma, assumindo assim a responsabilidade por sua própria vida, e compreendendo que ele não era seu antagonista, mas, como ela própria, um ser humano em sua jornada de volta para casa.
Paulo Peixoto
Colaborador do PWOL
Junho de 2016