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Compromisso e Liberdade

Durante muitos anos, apesar de muitas alegrias e conquistas, e de estar boredomcercado de pessoas maravilhosas, a maior parte de minha vida teve um tom muito miserável. Essa é uma expressão forte, mas considero-a adequada. Eu tinha dificuldade de me comprometer; e aquilo me arruinava, porque também havia em mim um forte desejo de ter sucesso e de dar o meu melhor aos outros, à vida, a Deus. Mas eu simplesmente não conseguia superar aquela barreira pela força de vontade; e ficava sendo empurrado, por mim mesmo, para frente e para trás – com algum avanço, como sempre há, mas predominantemente num vai e vem constante.

 

 

Minha busca do autoconhecimento, com base nos ensinamentos do Pathwork, me fez entender commitment-as-a-lossque precisamos enxergar nossa miséria interior autocriada, porque apenas assim teremos condição de sair desse estado. Depois de muitos passos nessa busca, comecei a perceber determinados padrões em minha vida. O padrão mais marcante era o receio de ir até o fim em alguma atividade; ou, dizendo de outra forma, o medo de me comprometer. O compromisso sempre me levava à forte sensação de perda, e aquilo me travava.

 

 

Compreendi que essa sensação de perda decorria do que, no Pathwork, chamamos de “Imagem”: uma conclusão fixa, generalizada, imatura e, portanto, errônea. Passei a me empenhar em identificar essa imagem, para poder então dissolvê-la.passivity-3 Em meu Pathwork tive alguns importantes insights. Um deles foi: “só quem é livre pode se comprometer”. Eu precisava me libertar da imagem de que compromissos implicavam em perda. Ao longo dos últimos anos, e com a ajuda de meu Helper, Gustavo, obtive várias expressões concisas dessa imagem. A mais recente, e talvez a que a exprima melhor, é: é na passividade que tenho o que necessito.

 

 

Nessa ocasião – há mais ou menos um ano – eu já tinha identificado minha dificuldade de me comprometer, já avançara muito na identificação de minha imagem central, mas ainda não tinha feito uma conexão clara entre ambas. Além disso, minha corrente de negação dessa conexão ainda estava muito ativa. (Ela ainda existe, mas já perdeu boa parte de sua força.) Então, apesar de entender que só quem é livre pode se comprometer, e que não poder se comprometer é estar aprisionado, eu ainda não conseguia me comprometer, porque o sentimento de que eu perderia algo em um estado de atividade ainda era muito forte. Não dá para vencer isso com a mente, apenas. O sentimento ainda era de que eu precisaria estar em um estado de passividade para evitar perdas.

 

 

Em meditações e visualizações procurei reavivar memórias da infância e perscrutar o inconsciente, na busca de possíveis origens para a imagem identificada. Relembrei que aos quatro anos tive uma séria sick-kid-with-momdoença renal. O médico disse que eu precisaria de repouso absoluto, e que o sal deveria ser retirado de minha dieta. Assim, minha mãe, que trabalhava nos três turnos para nos dar uma vida digna, tirou uma licença e ficou ao meu lado por uns quatro meses.

 

 

Tenho ótimas lembranças daquela época. De forma incomum, para uma criança daquela idade, quase sempre eu seguia à risca a recomendação médica. Até para ir ao banheiro eu precisava ser levado nos braços, mas eu não me importava, porque tinha minha mãe ao meu lado.

 

 

Mas, como disse, era quase sempre que eu seguia a recomendação médica. Uma vez fui ao banheiro sozinho, e minha mãe me surpreendeu com uma repreensão na forma de um grito. É claro, ela estava preocupada com minha recuperação, mas aquilo foi marcante, e acho que me levou a seguir ainda mais rigorosamente a recomendação de repouso absoluto.

 

 

Também lembro que minha mãe comprou um Atlas, e havia nele um desenho dos planetas, com seus nomes. Eu memorizei os nomes dos planetas na ordem correta, e ela se mostrava bastante orgulhosa daquilo. E, assim, o tempo foi passando, com outras experiências semelhantes, até que me recuperei completamente, e minha mãe voltou à sua rotina de trabalho.

 

 

Em minha mente, como uma criança de quatro anos, minha recuperação foi, de certa forma, uma perda: perdi a companhia constante de minha mãe. É claro, não houve nenhuma injustiça naquilo, nem minha mãe cometeu erro algum ao voltar a trabalhar. Foi uma experiência pela qual precisei passar. Mas, na época, minha mente infantil gerou uma conclusão imatura, fixa, generalizada, e, portanto, errônea.

 

 

Essa lembrança favoreceu, então, um momento de culminância na minha jornada, quando o movimento da espiral cônica ascendente a que se refere o Guia finalmente me levou a seu ponto final, fechando um ciclo da minha jornada. No estado torturante de vai e vem, eu ficava criando planos e desistindo deles. Após algum avanço, consegui enxergar como os planos eram rígidos, e assim me aprisionavam. Mas eu ainda não enxergava a solução, e passava a não fazer planos, sob o pretexto de me entregar à vontade de Deus, e me sentia igualmente aprisionado. Parecia não haver saída, até que, continuando o trabalho, tive uma experiência interior profunda, que transcrevi, para mim mesmo, nas seguintes palavras:

 

 

decide-as-you-go-4a“Eu tenho um plano geral, mas o que de fato farei, quero decidir a cada dia, a cada hora, buscando sempre a verdade, em um espírito de serviço a Deus, ao próximo. Não há compromisso maior que esse. Não há liberdade maior que essa. E o plano pode ser sempre revisto. A verdade a que me refiro, compreende especialmente a verdade interior, o que inclui reconhecer quando não desejo estar na verdade. Mas quero lutar para não cair na armadilha da autoindulgência, na armadilha da fuga, do escape. Só assim poderei viver plenamente, e cumprir meu destino.”

 

Paulo Peixoto

Colaborador do PWOL

Setembro de 2016