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A Chave da Vida

Anos atrás, um estudante no início de seu curso de graduação em matemática, com o qual eu interagia, na condição de seu professor de física, me trouxe um livro de matemática – daqueles que os físicos geralmente não usam – e disse: “professor, esse é um livro muito bom; vou deixar aqui para o senhor dar uma olhada, mas tenha cuidado! ” Como assim?! – Key of Life - Showing BookPensei. Ou seja, como é que um estudante de graduação, no primeiro período de seu curso, tem a ousadia de dizer a um professor com doutorado que tenha cuidado na leitura de um livro? Perguntei o que ele queria dizer com “tenha cuidado”, buscando disfarçar minha irritação, e imaginando que ele estava tentando estabelecer comigo alguma relação de poder. Ele pareceu constrangido, e desconversou.

 

Aquilo mexeu muito comigo. Por um longo tempo, houve uma luta interna entre o desejo de humilhar o estudante (apesar de uma parte de mim reprovar essa atitude) e o desejo de compreender o que realmente estava acontecendo internamente, em minha alma – independentemente de quão errado aquele aluno pudesse estar.

 

Talvez ele nem tenha tido a intenção de me diminuir. Talvez tenha apenas enxergado uma oportunidade de me impressionar, ou, quem sabe, tenha sinceramente desejado me alertar para um cuidado necessário – mesmo que sem muito tato. Pode ter acontecido tudo isso junto, já que, em cada ser humano, diversas vozes frequentemente se manifestam simultaneamente. Mas nada disso ocuparia tanto minha atenção, eu não teria reagido tão negativamente, se não houvesse uma negatividade correspondente em mim. Olhar para isso, tentar entender e, então, transformar essa negatividade, ao invés de gastar tanta energia com racionalizações inúteis, no desejo vão de mostrar “como eu tenho razão de estar chateado com ele”, é usar o que o Guia do Pathwork chama de “chave da vida”.

 

Procure compreender: pouco importa se o erro do estudante para comigo foi real ou imaginado, ou se foi exagerado; o que realmente importa é a forma como reagi. Nesse sentido, em vez daquele evento ter sido algo ruim, foi, na verdade, uma bênção, porque me possibilitou dar mais alguns passos na direção da verdade, do amor, da vida – que não são possíveis sem o autoconhecimento.  Usar a chave da vida – seja num conflito entre pessoas ou entre nações – é olhar para nosso próprio Key of Life - Disputeenvolvimento no conflito, buscando compreender de que forma estamos negativamente ligados à contenda, e buscando transformar essa negatividade. Pode ser que o outro tenha agido mal para conosco, e temos o direito e o dever de defender nossa integridade. Usar a chave da vida de forma alguma significa permitir que nos explorem, que nos machuquem; significa que não devemos esconder de nós mesmos a forma negativa de nosso envolvimento naquele problema, porque é tão fácil, tão tentador responsabilizar os outros por nossas mazelas. Usar a chave da vida significa que devemos buscar a verdade em cada situação – e, em um conflito, a verdade nunca envolve apenas uma das partes.

 

Após muito refletir sobre por que as palavras daquele estudante tanto me machucaram – numa luta constante para evitar autoenganos –, percebi o óbvio: eu estava com o orgulho ferido, pois vinha tentando passar para ele a figura de um professor excepcional, e como um professor excepcional poderia ser advertido por um estudante quanto aos cuidados necessários à leitura de um livro? Eu sabia que era um bom professor, mas também sabia que não era tão bom quanto pretendia, e eu precisava da ajuda daquele e de outros estudantes para me manter num status de excelência ilusório.

 

Mergulhando mais fundo no problema, descobri outros elementos. Descobri que minha irritação também tinha como origem a traição de minha própria integridade. Várias vezes não fui fiel aos meus valores, em busca de admiração, de aceitação. Quando, mesmo de forma sutil, traímos nossa integridade na expectativa de que alguém nos dê algo, se não recebemos o que esperamos nos enfurecemos – não tanto por não termos conseguido o que pretendíamos (que, de qualquer forma, não nos preencheria), mas por não termos sido fiéis ao que há de melhor em nós e, no fim, termos ficado sem nada. É como se gritássemos: eu traí o que há de melhor em mim para receber sua admiração (ou o que for), e você não me admira?!

 

Mergulhando um pouco mais no problema, descobri que eu estavaKey of Life - Negative Pleasure extraindo prazer negativo revivendo mental e emocionalmente a situação, imaginando o que eu poderia ter dito para que o estudante “se colocasse em seu devido lugar”. Esse prazer negativo tornava ainda mais difícil buscar a verdade.

 

Apenas com persistência no uso da chave da vida pude gradativamente dissipar todas as névoas que me impediam de ver a verdade naquela situação. Meu desafio é continuar buscando fazer uso dessa chave, nas diversas situações da vida – não importa quantas vezes eu falhe – até que, um dia, as portas se abram como que por si mesmas.

Paulo Peixoto

Colaborador do PWOL

Julho de 2016